Sísifo
Sorriu enquanto descia a rua estreita e pouco iluminada. Sorriu por saber que era aquela rua pequena, e não qualquer outra, que foi tomada há muito tempo. Olhou as árvores que mal podadas cobriam os poucos postes que restavam acesos. Graças a Deus essas árvores se encontram mal podadas. Graças a Deus não há a luz amarela indecente da avenida. A luz pornográfica.
Lembrou-se de um jantar no pequeno e discreto restaurante. Lembrou-se dela, tão confortável em saltos tão altos. Lembrou-se de como pouco confortáveis lhe eram a gravata e o paletó, naquele dia quente. Não, mentira, não lembrava mais como era desconfortável, somente se recordava de no dia haver pensado nisso, ao vestir o paletó, e ela em seu vestido decotado, porém a idéia de que ela era mais feliz desvaneceu levemente com a visão de seus saltos. Só num instante, já que a imagem dos saltos não permitia grandes considerações a respeito de seu conforto, aos diabos com seu conforto, ela estava belíssima. Mas não importava agora, porque não havia mais o restaurante pequeno e discreto.
Andou mais alguns passos e viu novamente a padaria/armazém/Deus sabe onde se guardam seus ratos.
Lembrou-se de várias paisagens, lembrou do desejo de ver outras paisagens e de todos os projetos de fuga. De todas as tentativas de fuga.
Foi naquela tarde. Foi quando próximo da avenida não quis a avenida. Num movimento brusco, virou o carro. Em algum ponto, saiu do carro. Foi quando pela primeira vez pegou a rua estreita. Demorou a compreender a rua estreita, e suas árvores como velhos barbudos. E sua escuridão cega e velha.
E foi quando não haveria mais o carro, o restaurante, ou ela. E o tempo se extinguiria e seria para sempre o caminhar pela rua estreita e pouco iluminada. E só as fases da lua mudariam, iluminando mais ou menos por entre as folhas nas copas das árvores mal podadas.
Após caminhar durante algumas horas pela rua, começou a perceber os primeiros sinais: primeiro viu o mesmo velho sentado em uma varanda que já havia visto anteriormente. Não, deve ser só outro velho. Velhos às vezes são similares demais para que alguém que caminha tão entretido com seus próprios pensamentos perceba a diferença. Porém mais a frentes passou pelo mesmo jogo de amarelinha das meninas. Gritou as meninas. Elas não olharam. Foi a quando cogitou pela primeira vez a possibilidade da rua ser circular. Decidiu que prestaria atenção nas fachadas. Passou a percebê-las. As tonalidades entre azul, rosa, amarelo e verde, com uma camada de tempo que as tornavam a quem passa despercebido a mesma cor, agora já eram completamente distintas. Todos os traços das fachadas se tornaram singulares: as heras na varanda de uma, o nicho com um santo no frontão da seguinte, um sofá de balanço no jardim de outra.
Imaginou como poderia se dar a circularidade da rua, que era uma reta constante: a compreendeu, portanto circular como a própria terra, com seu horizonte finito. Tendo confirmado assim a possibilidade verdadeira daquela rua se constituir num pequeno mundo imutável, no qual estava condenado a permanecer, continuou. Olhou o meio fio, olhou o céu. Era noite de lua cheia, então podia perceber os musgos nos paralelepípedos, os insetos, as gotas d´água.
Continuou na eternidade da memória do que poderia ter sido.
Sorriu enquanto descia a rua estreita e pouco iluminada. Sorriu por saber que era aquela rua pequena, e não qualquer outra, que foi tomada há muito tempo. Olhou as árvores que mal podadas cobriam os poucos postes que restavam acesos. Graças a Deus essas árvores se encontram mal podadas. Graças a Deus não há a luz amarela indecente da avenida. A luz pornográfica.
Lembrou-se de um jantar no pequeno e discreto restaurante. Lembrou-se dela, tão confortável em saltos tão altos. Lembrou-se de como pouco confortáveis lhe eram a gravata e o paletó, naquele dia quente. Não, mentira, não lembrava mais como era desconfortável, somente se recordava de no dia haver pensado nisso, ao vestir o paletó, e ela em seu vestido decotado, porém a idéia de que ela era mais feliz desvaneceu levemente com a visão de seus saltos. Só num instante, já que a imagem dos saltos não permitia grandes considerações a respeito de seu conforto, aos diabos com seu conforto, ela estava belíssima. Mas não importava agora, porque não havia mais o restaurante pequeno e discreto.
Andou mais alguns passos e viu novamente a padaria/armazém/Deus sabe onde se guardam seus ratos.
Lembrou-se de várias paisagens, lembrou do desejo de ver outras paisagens e de todos os projetos de fuga. De todas as tentativas de fuga.
Foi naquela tarde. Foi quando próximo da avenida não quis a avenida. Num movimento brusco, virou o carro. Em algum ponto, saiu do carro. Foi quando pela primeira vez pegou a rua estreita. Demorou a compreender a rua estreita, e suas árvores como velhos barbudos. E sua escuridão cega e velha.
E foi quando não haveria mais o carro, o restaurante, ou ela. E o tempo se extinguiria e seria para sempre o caminhar pela rua estreita e pouco iluminada. E só as fases da lua mudariam, iluminando mais ou menos por entre as folhas nas copas das árvores mal podadas.
Após caminhar durante algumas horas pela rua, começou a perceber os primeiros sinais: primeiro viu o mesmo velho sentado em uma varanda que já havia visto anteriormente. Não, deve ser só outro velho. Velhos às vezes são similares demais para que alguém que caminha tão entretido com seus próprios pensamentos perceba a diferença. Porém mais a frentes passou pelo mesmo jogo de amarelinha das meninas. Gritou as meninas. Elas não olharam. Foi a quando cogitou pela primeira vez a possibilidade da rua ser circular. Decidiu que prestaria atenção nas fachadas. Passou a percebê-las. As tonalidades entre azul, rosa, amarelo e verde, com uma camada de tempo que as tornavam a quem passa despercebido a mesma cor, agora já eram completamente distintas. Todos os traços das fachadas se tornaram singulares: as heras na varanda de uma, o nicho com um santo no frontão da seguinte, um sofá de balanço no jardim de outra.
Imaginou como poderia se dar a circularidade da rua, que era uma reta constante: a compreendeu, portanto circular como a própria terra, com seu horizonte finito. Tendo confirmado assim a possibilidade verdadeira daquela rua se constituir num pequeno mundo imutável, no qual estava condenado a permanecer, continuou. Olhou o meio fio, olhou o céu. Era noite de lua cheia, então podia perceber os musgos nos paralelepípedos, os insetos, as gotas d´água.
Continuou na eternidade da memória do que poderia ter sido.