sexta-feira, julho 30, 2004

Queria escrever um texto bonito.

-queria? Ela, ele, eu, quem queria?

Essa é a beleza da história: queria. Mas não foi possível, obviamente, porque ao propor escrever um belo texto nada mais saiu da cabeça, impossibilitando qualquer ação, até mesmo pegar na caneta. (ou abrir o Word).

Mas a beleza ainda era uma cisma, e queria falar do amor, da compaixão, da solidariedade, e nehuma idéia surgiu.

-Ah, é porque mineiro só é solidário no câncer.

Quem falou em Minas? Enfim, continuando a história da tentativa de escrever um texto bonito, várias noites foram passadas em claro. Delas, só foi alcançada essa conclusão:

- Escrevo porque tenho medo do solilóquio.

E pensava que deveria correr urgentemente para o texto, mesmo que ele nem saísse tão bonito assim.
E andava pela casa, no meio da madrugada, tentando colocar os pensamentos em ordem para que formassem um texto, para que deixassem de ser um monólogo. Pensava já em voz alta. Escrevia para não falar solitariamente, e já estava a falar em voz alta, ainda que baixa, como quem reza. Enquanto parecesse que orava estava tudo bem, ao menos disfarçava um pouco.

O texto que queria escrever começaria com a história da personagem que tinha a propriedade de mimese, como um camaleão. Porém não sabia como acabar com a história, nem se havia uma moral naquilo. Só achava bonita a imagem, de numa tarde de sol, sua personagem virando muro, virando grade, virando poste, virando carro, virando outdoor...

Porém as palavras se calaram, numa profunda e triste mudez de pensamentos. Oh, dizei só uma palavra e serei salvo! Aquilo sempre impressionara na infância. Só uma palavra. Contra a mudez total do pensamento de quando as palavras todas fogem.
(Normalmente quando as palavras fugiam e se tornavam em silêncio embaraçoso, era diante de alguém. Sentir esse embaraço diante do próprio pensamento era algo inédito na madrugada em que tentava escrever um texto bonito.)

O dia amanheceu, a vida continuou.

Fim

-e o texto bonito?
Não sendo cristão ou dramaturgo, não haveria salvação nem escreveria monólogos que dialogassem.

quarta-feira, julho 21, 2004

mau caminho, bom caminho, coluna do meio

Já dizia meu avô, tem gente que vem ao mundo a passeio.
Isso em oposição, obviamente, a grande maioria que veio a trabalho.
Mas ninguém se lembra daqueles casos, de alguns chegaram aqui porque desatentos, distraídos ou meio lerdinhos mesmo se perderam de seu caminho.
Até agora estou procurando alguma direção.

terça-feira, julho 20, 2004

Sobre a Lua, Cavaleiros e figuras de linguagem
 
No bairro onde moro há uma rua que se chama Lua. Lembrei-me dela ontem, quando descia para o ponto de ônibus, e ouvi alguém pedindo direções. Direções para a Lua, ali, tão perto de mim. E me lembrei que eu, arquiteta, gostaria de morar na Lua, construir minha casa lá. Ela é uma rua sem saída, bem no alto do bairro. Atrás dos terrenos é um grande morro, e em todos se tem uma bela vista definitiva da cidade. E muito mato também. Um lugar lindo. Eu gostaria de morar na Lua, de são Jorge. Aquele, que lutou contra um dragão pela princesa.
 
Eu sou capaz ainda de me espantar com a minha obviedade.
 
São Jorge me lembra Dom Quixote por vários motivos, até pelo dia: dia de são Jorge é o dia de nascimento de Cervantes. Bom, mas a imagem no fim é mais infantil, é a imagem do cavaleiro. Por um momento prefiro dom Quixote, que, no fim tinha vários livros. Gostaria de uma casa cheia de livros.
 
Eu sigo me espantando.
 
Desço Santa Lúcia, São Bento, Santo Antonio. Chego A Savassi. Ainda é uma aliteração, me diria a minha -ou alguma- professorinha: remete ao sonho, ao sono. Prometo que nunca mais usarei a o verbo remeter. Mas chegar na Savassi é chegar ao trabalho, e depois de passarem os Santos só chego a gentes todas e seus problemas (e aos meus problemas com as gentes todas).
 
E lá também encontro meus amigos, e vou a cafés. E compro livros, enquanto não encontro Dom Quixote. (não sou Dulcinéa, mas minha madrinha era. Linda, uma pessoa verdadeiramente boa, será que acredito que ela olha por mim? acredito que ela acredita que sim, em sua toda pureza. Madrinha, mãe em Deus, ando a esperar que alguém possa acreditar em mim, que não acredito em nada)

Por esse caminho de aliterações não chegarei à Lua, não construirei minha casa na Lua, não pretendo continuar aqui. Pretendo sempre ir para Pasárgada, Belo Horizonte está longe de lá. Aqui não há nem sequer um rei. Sempre decidida a partir, com o fervor dos que tem fé, desço Santa Lúcia, São Bento, Santo Antonio, Savassi, aliterariamente, e volto a noite sem o som de veludosas vozes, só do motor do ônibus.